Você já pensou no quanto Jesus herdou de Maria?
No judaísmo, os bens e o status social são transmitidos pela via paterna, mas a religião vem pela linha materna. Sendo o povo israelita tão apegado à suas tradições religiosas, a linhagem da mulher é de extrema importância. Daí o fato de todos os reis de Judá serem referidos junto às suas mães.
De José, Jesus herdou a profissão e provavelmente sua casa em Nazaré (Mt 13.55). Mas o que fez Jesus ser reconhecido pelas futuras gerações como Profeta, Sacerdote e Rei, foi sua herança feminina.
Maria, mulher-moça simples de Nazaré, mas de linhagem sacerdotal (Arão), descendência real (Davi) e possuidora do dom da profecia (magnificat). Sendo parente de Isabel era, portanto, também descendente de Arão (Lc 1.5, 36) e embora a Bíblia não o revele claramente, é quase certo que pertencesse a mesma tribo de José, já que os casamentos eram preferencialmente contraídos na mesma parentela. Os evangelhos não canônicos apresentam Maria como sendo da tribo de Judá e até mesmo prima de José, o que mostra a importância dada na época a esta união ser entre pares. Maria, como Bateseba, sua antecessora na genealogia de Jesus registrada em Mateus, não tem a sua linhagem exposta de forma clara na Bíblia. Mas, apesar disto ambas são tidas como pertencentes a tribo de Judá, e por isso capazes de gerar perante a sociedade israelita de suas épocas um descendente legítimo de sangue puro e, portanto, de status e religião pura.
Como todos os reis de Judá, Jesus é sempre referido por Mateus junto à sua mãe, tanto na genealogia como no segundo capítulo do Evangelho (Mt 1.16; 2.11,13,14, 21). Seu pai social, José, também da linhagem de Davi, veio confirmar perante a sociedade o status real de Jesus (Lc 1.27).
No belíssimo cântico conhecido como Magnificat (Lc 2.46-55), Maria demonstra seu conhecimento das histórias da formação de Israel, criando uma coletânea de citações dos cânticos de Miram (Ex 15.21), Debora (Jz 5), Ana (1 Sm 2.1-10) e Judite (Jt 16.1-17). Conhecedora das Escrituras e cumpridora dos preceitos religiosos (Lc 2.22), Maria deu continuidade ao legado sacerdotal Aarônico, sendo a primeira mestra de Jesus e sua primeira discípula (Lc 2.19,51).
Em Maria temos, portanto, o instrumento pelo qual Deus não só trouxe Seu Filho ao mundo como também o revestiu de autoridade civil (Rei), religiosa (Sacerdote) e espiritual (Profeta).
Maria: uma mulher cujo filho mudou a história da humanidade e cujo nome se insere até hoje como o grande divisor de águas do cristianismo.
Lidice Meyer Pinto Ribeiro é Doutora em Antropologia, Professora na Mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, em Portugal.